quarta-feira, 7 de novembro de 2007

O Natal de Arlindo

Arlindo estava exausto. Suas pernas não agüentavam mais o peso do próprio corpo, e as sacolas que carregava ficavam mais pesadas a cada minuto que se passava.
Era véspera de natal, e Arlindo estava atrasado com as compras. Já não bastava a pressão de ter de comprar presente para todos da família, incluindo o cunhado puxa-saco, Arlindo era péssimo para escolher presentes. Por ele, cada um da lista ganharia uma nota de vinte e faria o que bem entender com o dinheiro. Mas todos estavam ansiosos - o cunhado principalmente - aguardando os embrulhos de natal de Arlindo. E ai se ele aparecesse em casa com algum cd.
Apesar da corrida contra o tempo, não tinha tido grande progresso com as compras. Havia começado cedo a procura, mas, até aquele momento, levava consigo apenas três míseros pacotes. A única coisa que progredia bem, àquela altura, era o número de pessoas que chegavam ao shopping em busca de presentes.
Loja de sapatos, loja de brinquedos, loja de roupas, loja de perfumes. Arlindo havia entrado em todas as lojas, e já nem lembrava mais em qual loja tinha passado. Só sabia que estava exausto. E que precisava de água. Procurou algum bebedor, mas só conseguiu ver gente, gente e mais gente Olhou em volta, procurando algum lugar para descansar. Nada. Por onde olhava, só via lojas entupidas de vendedores e pessoas comprando e indo e voltando pelos corredores e Mamães Noel suadas. O ar condicionado estava quebrado. Sentiu um calafrio. Tudo começou a rodar em sua volta, sua visão ficou embaçada, seu coração acelerou. Uma sensação de desespero, não sabia se gritava ou se chorava, só sabia que precisava sair daquele lugar, ou talvez não voltaria vivo para casa. Parou no meio do corredor principal, um olhar vago. Pessoas passavam e esbarravam nos pacotes de Arlindo. Um menino pisou em seu pé e correu, rindo. Um bebê chorava ao seu lado. Ele baixou a cabeça, seus ombros arquearam. Talvez fosse mesmo o seu fim...
Foi então que viu, no meio daquele caos natalino, sua salvação. Esfregou os olhos, podia ser uma miragem. Não, era mesmo verdade. Havia um lugar seguro e tranqüilo no meio daquele inferno de guirlandas e barbas postiças. Respirou fundo, criou coragem e começou a caminhar, passos lentos porém firmes, sem olhar para os lados - um olhar fixo. Arlindo esbarrava nas pessoas e as pessoas esbarravam em Arlindo, mas isso não mais importava, ele estava a salvo. Após muitos esbarrões e tropeções, finalmente chegou. Era uma livraria. Uma livraria, pensou Arlindo. Claro, por que não havia pensado em uma livraria antes. Estava quase vazia. Tinham dois ou três vendedores encostados no balcão, conversando tranqüilamente, e uma senhora gorda nos fundos da loja, apenas olhando os livros das prateleiras.
Pegou a primeira revista que viu pela frente, para disfarçar, e se sentou em uma das poltronas da loja. Era uma revista de viagens, uma edição especial dos lugares mais inóspitos do planeta. - Lugares inóspitos! Arlindo riu sozinho. Cruzou as pernas e começou a folhear a revista, bem acomodado na confortável poltrona de leitura, a brisa fresca do ar condicionado da loja refrescava seu corpo, enquanto se maravilhava com o deserto do Atacama. Ficou ali, vendo as fotos da revista e relaxando o corpo, aproveitando aquela paz inacreditavelmente alcançada. Quando terminou, fechou a revista, respirou fundo, estava pronto para ir embora. Confiante, se levantou e olhou para fora da loja. Viu o corredor. E viu gente. O corredor estava empilhado de gente, mais gente ainda que quando entrara na livraria. Viu pacotes esbarrando em pessoas, pessoas esbarrando em outras pessoas, viu os vendedores sorridentes, viu crianças correndo, mães sorrindo e bebês chorando. Estava tudo lá, além das vidraças da livraria.
Arlindo fechou os olhos e se afundou na poltrona novamente, febril. Sua mente foi tomada por delírios natalinos - presentes voando, uma lista de natal interminável, a família reunida, o cunhado dando risada, enquanto abocanhava uma enorme coxa de peru. Foi então que uma imagem começou a se formar em sua cabeça. Nada de presentes, nada de embrulhos. O silêncio apenas. Era o deserto do Atacama. Abriu subitamente os olhos, paralisado por um instante. Deserto do Atacama. Puxou a revista para seu colo e começou a folhear lentamente as páginas. Já tinha decidido, e não havia presente ou cunhado ou peru com farofa que o faria mudar de idéia. Arlindo ficaria ali, só ele, a poltrona e o deserto do Atacama, para sempre. Pare sempre!

Um comentário:

Mônica disse...

Nossa, Lú! O jeitinho que vc escreveu só acentuou a minha paúra de shopping center e templos de consumismo desenfreado. E ficou com dó do Arlindo. Beijão!!!