quinta-feira, 26 de julho de 2012

São Paulo – 2046 - 05/2007


O ano é 2046. Não, o mundo não acabou, como previam alguns ecologistas no começo do século. Ao contrário, nunca o planeta esteve tão limpo e desinfetado.
São Paulo, por incrível que pareça, tem um suave perfume de lavanda.
O grande problema de toda essa higiene é que ela acarretou um efeito colateral, que ninguém, nem os mais renomados sociólogos e psicanalistas, conseguiram prever. Mas os cientistas, em seu ímpeto de colocar nomes estranhos nas coisas, denominaram o quanto antes o mal: Chama-se Abstinência Poluitiva.
A abstinência poluitiva foi detectada primeiramente logo após a proibição das buzinas dos motoboys e nos carros das mulheres, e se agravou com a extinção do rodízio de carros e da erradicação dos flanelinhas e dos vendedores de filtros de água por telemarkenting.
Mal estar, enjôos e náuseas são os principais sintomas da enfermidade - Foram detectados, em casos menos freqüentes, depressão e histeria coletiva. Mas nesse caso, apenas quando o governo anunciava um novo aumento do salário mínimo.
Para reverter o quadro, ou pelo menos amenizar os sintomas, a prefeitura passou então a realizar, uma vez por ano, a Semana da Poluição Paulistana.
Semana da Poluição Paulistana consiste na recriação de situações de stress físico e psicológico, tão presentes na vida dos paulistanos décadas atrás. Os saudosistas adoram!
Durante o evento, a prefeitura mobiliza a Secretaria do Bem Estar Social para incentivar os motoristas a circularem por uma mesma avenida sempre em um horário específico. Então, ela fecha uma ou duas pistas da via, formando, assim, gigantescos congestionamentos, para o êxtase de motoristas e passageiros, que gritam de emoção - e desespero - dentro dos carros.
Além disso, enormes tendas são abertas por toda a cidade para a simulação de diversos tipos de poluição. Umas das mais procuradas é a requisitada Câmara de Gás. Apesar do nome, ela não tem nada a ver com as técnicas utilizadas pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
Ao entrar na Câmara de Gás, o cidadão escolhe entre inúmeros tipos de odores que relembram a São Paulo dos velhos tempos: Rio Tietê, Rio Pinheiros, Fim de Feira, Caminhão de Lixo, Escapamento de Caminhão Desregulado, e o mais procurado, o poético Ônibus Lotado em uma tarde de verão.
Há a possibilidade também de apreciar outra tenda, apelidada de Laranja Mecânica. Esta tenda é um espaço onde o cidadão é exposto às mais variadas situações de aflição e constrangimento, tão freqüentes na vida dos paulistanos da “velha guarda”. Um telão transmite, em 3D, imagens de crianças de rua, malabaristas nos faróis, mendigos e todo o rol de pedintes, enquanto o som, em Doulb-Surround, estremece as paredes com as abordagens: “É um assalto!”, “Passa o carro, dona!”, e outras mensagens no imperativo. Angustiante, e um sucesso de visitação!
A prefeitura ainda conta com um espaço aberto chamado Camelódromoou, como é carinhosamente chamado, Calcutá é Aqui. São centenas de voluntariados que se aglomeram em uma rua pré-determinada, tornando o trânsitos pedestre por ela praticamente impossível. Em meio ao caos e ao desespero, os voluntários gritam a plenos pulmões “3 por 1 real! 3 por 1 real!”, “Olha a pilha! Olha a pilha!”, “Paçoca, paçoca, paçoca!“ e outras delicadas abordagens de venda ao transeunte. Impossível voltar para a casa de mãos vazias!
Ao fim de cada dia, é realizado um delicioso churrasco de lingüiça e carne gorda para todos os que quiserem matar a saudade, regada a muito chope e refresco artificial de goiaba. Mas, depois de um dia agitado desses, a maioria da população prefere ir para casa e preparar um saboroso clean barbecue - berinjela grelhada, abobrinha na brasa e muito suco de clorofila para acompanhar. Afinal, é melhor não abusar de tanta realidade...

Contra-mão - 04/2007
Me admira vocês
Que desde os quatorze já sabiam
O caminho a percorrer

E aos trinta e oito
Têm certeza de onde estarão

Minha certeza
É meu caminho de hoje
Amanhã ou depois, pode ser

Que estarei convicto
De estar trilhando
Meu caminho pela contra-mão

A Arte da Guerra – Passo a Passo­ - 02/2007



Criada pelos chineses por volta do ano 1000, e patenteada pelos japoneses 3 anos depois, a pólvora foi usada pela primeira vez como arma de fogo por um rei francês, quando tentava acender um rojão no Ano Novo.
Os americanos inventaram a bomba atômica, a internet e o estilingue, mas hoje isso tudo está à disposição dos inimigos dos Estados Unidos, à vista ou parcelado no cartão.
No livro A Arte da Guerra – Passo a Passo­, o historiador americano Maximilian Coxy examina a guerra de perto e alerta: Ela não cheira nada bem.


O livro “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, ainda continua influente em combates de guerra?
Maximilian Coxy - Hoje sabemos que a obra de Sun Tzu foi consultada por diversos militares ao longo da História. Os romanos leram e a traduziram para o latim. Napoleão pode ter lido também, mas provavelmente em uma versão pocket book, assim como os ingleses, mesmo que ambos não admitam isso. É provável que ainda hoje militares a consultem para a preparação de combates. Mas isso é difícil responder com certeza, já que ainda estou na página 11 do livro.

Quem os EUA devem temer: a China, a Coréia do Norte ou a Al Qaeda?
Coxy - Possivelmente uma combinação entre eles. Os Estados Unidos devem se preocupar com a China e a Coréia do Norte juntos, ou a Al Qaeda com a China, a Coréia do Norte com a Al Qaeda. Ou uma união entre os árabes e algum país latino americano. Ou ainda uma junção dos todos eles. Enfim, hoje os Estados Unidos devem temer qualquer coisa que se mova, basicamente.

E a China pode se tornar uma superpotência sem guerra?
Coxy -Historicamente não conheço nenhum país que tenha alcançado status de superpotência sem guerra. Alguns países entraram em superguerras, mas sem nenhuma potência. Esses se deram muito mal.
A verdade é que, normalmente, a potências já estabelecidas não dão espaço para que uma nova potência surja. E esse é o prelúdio de um confronto bélico. Analisando a situação dos Estados Unidos e da China hoje, podemos garantir que a melhor decisão a ser tomada é comprar um pacote turístico para as Bahamas e ficar por lá por tempo indeterminado.

Qual é o maior problema da China em questões armamentistas?
Coxy - O grande obstáculo da China, apesar de seu investimento por estruturação bélica e seu número gigantesco de soldados alistados, é o setor de comunicação. O problema é que a língua chinesa é tão difícil que nem os próprios chineses conseguem entender muito bem. Isso atrapalha um pouco as decisões em combate. Um exemplo clássico disso foi a conhecida batalha de Yun-Pé, em 1667. Um enorme batalhão chinês estava alinhado, aguardando ordens para invadir a região de Yun-Pé, na fronteira com o Vietnã. O coronel Wing Li então ordenou a todos que seguissem em direção nordeste, mas os soldados não entenderam o que o coronel tinha dito e rumaram para oeste, chegando a Paris 8 meses depois.

Dos militares citados em seu livro, quem é seu preferido?
Coxy - Tenho verdadeira admiração pelo Duque de Ashmor. No livro, conto um de seus primeiros combates, na Índia, em 1703. É inspirador relatar como ele enfrentou e venceu o exército Mongol. Os Mongóis tinham 4.500 homens bem treinados e fortemente armados, enquanto o batalhão de Ashmor possuía apenas 120 soldados, que usavam chinelos para se defender e palitos de dente para atacar. E um estudo revelou que a maioria deles estava completamente bêbada na hora do combate. Foi um feito impressionante.

Muito obrigado, Sr. Coxy.
Arquimedes, o taxista filósofo - 02/2007

Em alguns países, principalmente os desenvolvidos, pessoas comuns, como os taxistas, conseguem se transformar em grandes filósofos. Aqui no Brasil, ao contrário, filósofos se tornam grandes taxistas.
Essa é a história de Arquimedes, o taxista filósofo.
Não vem ao caso explicar como ocorreu sua transformação de pensador a condutor. Crises, planos econômicos, juros altos, salários baixos... e quando foi ver, Arquimedes já estava dentro de um Gol branco, andando pelas ruas da cidade com a bandeira 2 ligada.
Apesar de estar rodando com seu táxi, ele aproveita os momentos que tem para refletir. Afinal, é um taxista em busca de respostas, nem que elas apareçam a caminho do Largo da Batata.
Mas não é somente dentro do carro que ele exercita seus conhecimentos acadêmicos. Quando está a pé, andando pelas ruas do bairro onde mora, costuma citar, por onde passa, trechos e pensamentos de grandes mestres da Sabedoria – Platão, Shoppenhauer, Nietzche. Na padaria mesmo, sempre que aparece por lá, seus colegas sempre ouvem atentamente suas sábias palavras, principalmente os que não estão escondidos debaixo do balcão ou atrás da porta.
Contudo, é ao volante que o condutor se sente mais confortável para suas confabulações e livre para as reflexões sobre temas que sempre inquietaram a humanidade... Quem somos? Para onde vamos? E quantas cuecas é bom levar?
São muitas as perguntas, e para a maioria delas ele ainda não chegou a uma conclusão definitiva. Mas de uma coisa tem certeza: O tempo e espaço são relativos, mas chegar atrasado no cinema é sempre um saco.
Algumas coisas atrapalham as confabulações automotivas de Arquimedes, como ambulâncias com a sirene ligada, buracos na pista e os temidos vendedores de pamonha. E clientes puxadores de papo, claro. Lá está ele, refletindo sobre o significado existencial do patinete motorizado, quando, do banco de trás, ouve:

-          E então, quem você acha que é o vilão da novela?

Com uma pergunta dessas, Sócrates pararia o carro e beberia duas doses de cicuta. Mas ele não é Sócrates, e como bom taxista, respondeu cortesmente:

-          Estou entre o mordomo e o jardineiro, chefe... 

É como ele sempre diz: “Melhor um cliente na mão do que duas epifanias voando...”

A verdade é que, após tanto tempo pelas ruas da cidade, Arquimedes já se acostumou com o caos e com a desordem da cidade, e nem se preocupa mais com os acidentes intelectuais de percurso.
Ontem mesmo, entre um farol e outro da Radial Leste, Arquimedes começou a refletir sobre sua vã existência. O surgimento do Universo, a efemeridade da vida... Estava progredindo bem, até um motoboy passar buzinando em sua orelha esquerda e fazer o filo-taxista perder a concentração. Então, o passageiro do táxi fez um comentário sobre a mãe do motoboy, e Arquimedes respondeu que São Paulo era assim mesmo e tal... Depois disso, não conseguiu mais voltar à sua linha de raciocínio, e sua vã existência ficará mais vã do que nunca.
Mas pelo menos voltou para casa feliz: Conseguiu descolar 5 mangos de gorjeta do cliente. Taxista educado é outro papo. 
Poeminha do Imigrante - 02/2007

Êta lasquera
Terra da fumaça e da garoa
Ô terrinha boa
Apesar da trabalhera

Olha só essa gentidão
Que não pára sossegada
Parece sempre atrasada
Correndo a cada tempo
Em uma direção

Não dianta ficar parado
Nem tampouco de braços cruzados
É melhor apertar o passo
Que aqui se vai para frente
Nem que seja carregado

Mas, apesar da confusão
Que deixa qualquer um abestalhado
Você parece homem apaixonado:
Aceitou comigo o casamento
Antes mesmo de lhe pedir a mão

Por isso, te digo agora cortesmente:
São Paulo, teu coração
É igual ao de mainha
É só dar uma apertadinha
Que sempre cabe mais gente! 
Poema da separação - 11/2006


Secou as lágrimas, o rosto inchado
Me olhou, com desprezo, e sussurrou
Vá embora, não quero mais você
Ao meu lado
E então, saí por aí, sozinho,
Fumei, bebi,
E procurei pela noite, em vão
Por algum caminho
Agora, enquanto você calcula juros
Debaixo de um ar-condicionado
Eu estou aqui,
Com meus jeans surrados
Meus cabelos compridos
Caminhando pela chuva,
Com um sorriso nos lábios
Posso mesmo não ser um modelo de pessoa
Desses que você encontra
Nas novelas e nas revistas importadas
Mas acredite, não estou à toa
Sigo em frente nesta vida
Uma hora ali, outra em outro lado
Mas sempre em frente
Calmo e vacinado
E se um dia, por acaso
Na rua você cruzar comigo
E eu estiver correndo
Contra o atraso, de terno e gravata
Com as sobrancelhas franzidas
Calando poetas
E tropeçando em mendigos
Por favor, compre umas flores
Vista seu vestido mais discreto
E reze pela minha alma
Porque, neste dia, meu amor
Não tenha dúvidas,
Eu já terei morrido.